domingo, 6 de março de 2022

NÃO SOU MAIS BEBÊ! (DICA DE LEITURA)

A dica de leitura hoje é NÃO SOU MAIS BEBÊ!, do sempre incrível e sensível Ilan Brenman. O livro conta a história de Alice, uma menina esperta que já aprendeu um montão de coisas e agora quer experimentar o mundo com um pouco mais de independência. Ao menos, naquelas tarefas que ela já sabe como fazer. Essa mocinha esperta já aprendeu a escovar seus dentes, tomar banho, trocar de roupa, comer sem se sujar, fazer as atividades na escola. Por isso, quando os adultos tentam ajudar, ela afirma com convicção que não é necessário, pois ela não é mais bebê.

É muito comum ver os adultos desejando que seus filhotes cresçam e tenham autonomia. Por outro lado, sentem receio de coloca-los no chão para explorar os ambientes, de deixar que comam sozinhos, para não se sujar, de tirar a fralda por medo que um eventual escape possa traumatiza-los, de dizer não quando necessário, por medo de magoá-los, de colocar limites porque não conseguem lidar com a frustração passageira (e muitas vezes necessária) de seus pequenos.

Nenhum de nós nasceu com o gene da autonomia. Esse gene não existe! Autonomia precisa ser ensinada, estimulada, experimentada. Uma criança jamais aprenderá a descascar uma fruta sozinha se sempre receber frutas descascadas na mão. Também não aprenderá a escovar os dentes se um adulto sempre fizer isso por ela. A família da história de Ilan, possibilitou experiências incríveis para a pequena Alice, permitindo que a menina vivenciasse suas habilidades dentro das rotinas diárias, até que às aprendesse tão bem, a ponto de sentir-se segura para dizer que já não precisa mais de ajuda.

Nem todas as crianças são como Alice, que dão um basta nos adultos, quando estes não lhes dão oportunidade de mostrarem o que sabem, ou de experimentarem repetidas vezes os novos desafios que a vida lhes oferece. Nem todos os adultos são como os pais de Alice, que dão oportunidade e espaço para que seus pequenos aprendam e tenham mais autonomia. Mas, estamos nessa vida é para aprender uns com os outros, os pequenos com os adultos e os adultos com os pequenos.

A boa literatura para a infância nos permite belas reflexões sobre a maternidade, a paternidade, a infância e todos os seus desafios e encantamentos. NÃO SOU MAIS BEBÊ!, convida à reflexão e nos faz pensar sobre a necessidade de dar espaço para que os aprendizados aconteçam, ao mesmo tempo que é preciso estar perto, para ajudar quando necessário. Alice já não precisa de ajuda para muitas coisas, mas sabe que ser um pouquinho bebê também pode ser bem divertido.


Livro: Não sou mais bebê

Autor: Ilan Brenman

Ilustrações: Anna Aparicio Català

Editora: Aletria, 2018

ISBN: 978-85-9526-021-4

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

APRENDER COMO AS CRIANÇAS

 

Você já observou uma criança brincando com algo que lhe interessa?! O brinquedo pode ser qualquer objeto, tampinhas, pedras, gravetos, potes. Mas, quando a brincadeira inventada é interessante, a criança fica longo tempo brincando. Muitas vezes, deixa tudo organizado para voltar e brincar mais no próximo dia. E neste brincar, ela monta, desmonta, resolve problemas, cria situações, inventa, reinventa, dá significado, aprende.

Aprendizado exige comprometimento, dedicação, intenção, interação e desejo. Uma criança brincando está criando e buscando estratégias para resolver seus conflitos e entender o mundo. Nenhuma criança está “apenas brincando”. Por isso, é tão importante que os pequenos fiquem menos tempo expostos às telas. Pois, em frente à tela eles não inventam, não criam seus próprios problemas.

Essa lógica vale também para quando já somos crescidos. É preciso desejo para aprender qualquer coisa na vida. Não aprendemos aquilo que nos é ensinado, mas aquilo que nos mostramos interessados e disponíveis para aprender. Numa sala de aula, por exemplo, um professor dá a mesma aula para um grupo de trinta alunos, mas apenas aqueles que tiverem disposição para estar ali, terão condição de aprender de fato.  

É claro que em uma sala de aula existem muitas variantes para pensar os processos de aprendizagens. Mas, mesmo pensando em uma turma onde todos os alunos são bem alimentados e têm condição social e afetiva suficientemente boas para lhes colocar em situações favoráveis ao aprendizado. Ainda assim, se não houver vontade e disposição para o aprendizado, ele não acontecerá em todo seu potencial.

Voltando ao exemplo da sala de aula, professores não dão conteúdos, eles oferecem situações para que o estudante possa aprender com elas. Por isso, são necessárias estratégias distintas para dar conta de abraçar a complexidade de seres pensantes que habitam o espaço escola. Ainda assim, é preciso uma disposição pessoal para que uma situação nos faça aprender com ela. Para aprender, seja um conteúdo escolar, seja a manejar as situações adversas da vida, é preciso o comprometimento de uma criança brincando. 



sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

SEXTOU

 

Verbo é a classe de palavras que, do ponto de vista semântico, têm significado de ação, estado, mudança de estado ou fenômeno da natureza, que varia em relação ao tempo. O que a sexta-feira tem de tão especial, para se ter criado um verbo só para esse dia da semana? Desde quando essa expressão foi inventada, a conotação que ela carrega é de que este é o dia que podemos enfim, viver.

Nessa lógica, a vida funciona assim: de segunda-feira pela manhã à sexta-feira à tardinha, carregamos o pesado fardo do trabalho e do estudo. E, no final da sexta-feira, atravessamos o portal da liberdade, para respirar e viver por dois dias, antes que novo ciclo de tortura se inicie.

Pra quem vale essa lógica? Certamente não para os profissionais muitos que trabalham aos finais de semana. Também não para as mulheres com tripla jornada de trabalho, que aproveitam os finais de semana para deixar a casa em ordem, numa rotinha intensa de lava, limpa, organiza, cozinha. Ou, para os estudantes que dedicam seus finais de semana para colocar seus estudos em dia, ou ampliar seu aprendizado.

É irônico que essa expressão, inventada para marcar o fim de um ciclo de trabalho, seja vazia de sentido para aqueles que quase nunca param de trabalhar. Como também é triste que a percepção que muitos tem de trabalho é de que este seja um fardo a ser carregado de segunda à sexta-feira.

É verdade que nem todos conseguem trabalhar naquilo que lhes dá prazer. Como também é verdade que muitos trabalhos exigem um esforço físico absurdo. E, geralmente são esses os trabalhadores que tem as condições de trabalho mais precárias, os que são pior remunerados e para quem o sextou, de fato, possa ser mais vazio de sentido.

A semana tem sete dias. Penso ser um desperdício deixar para sentir a vida em apenas dois. Afinal, viver, vivemos os sete. Mas, muitas pessoas esperam para colocar sentido de viver em apenas dois dias, por mais vazios de sentido que eles possam ser.

E se inventássemos o segundou, terçou, quartou e não empurrássemos para depois o desejo de sentir a vida? E se as sextas-feiras fossem apenas mais um dia para viver da melhor forma que podemos e conseguíssemos encontrar (ou colocar) no trabalho e nos afazeres cotidianos uma possibilidade de viver com mais prazer? Talvez assim, a vida fosse melhor vivida durante toda a semana. Essa possibilidade é aceitável para você? 


quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

BORA LÁ!!

Bora lá, “ano novo, vida nova”!! Vida que segue. Pra frente é que se anda, não é mesmo?!! Gosto de andar em frente. Mas, tenho medo de tropeçar e cair, se não aquietar o passo, se não souber o tempo de parar para recalcular a rota, se não olhar pelo retrovisor para evitar os mesmos erros.

Daqui, de onde olho o mundo, penso que o sentido da vida é aprender, pois (quando a gente quer, quando a gente deixa) tudo é aprendizado. Mesmo as coisas bobas do cotidiano, ou aquelas que não nos agradam, nos ensinam.

Um novo ano está começando. Mas, só será um ano incrível se tivermos aprendido com as experiências vividas. É chato iniciar o ano lembrando que ainda estamos numa pandemia? É. Mas, é porque insistimos em fazer de conta que está tudo bem, que a onda de contaminação após as festas de final de ano virou um tsunami. O vírus não está nem aí para o que a gente pensa dele, ele chega e faz o estrago. E, quanto mais a gente insiste em negligenciar a sua existência, mais ele se diverte.

Avançamos muito com a vacinação. E o estrago só não está sendo maior, porque muitos fizeram o tema de casa e se vacinaram direitinho. Muitos, porém, ainda se negam a tomar uma vacina que poderia minimizar os danos causados por esse bichinho. Não tomar vacina não é problema apenas meu, ou seu. Quando o caso é de saúde pública, o problema é todo mundo.

Tem gente que anda em frente, mas não aprende. Não olha pelo retrovisor. E quando olha, é sem óculos, sem filtro, sem vontade de aprender com os tropeços. Olhar para o passado de forma condescendente, sem análise crítica, não ajuda a melhorar a caminhada.

Há quem ainda diga: como podem os cientistas ter produzido uma vacina, de forma segura, tão rapidamente? Isso se chama avanço da ciência. Hoje temos tecnologia de ponta e a pandemia fez com que todos os esforços se voltassem para minimizar os danos causados por esse vírus.

Se queremos andar em frente, não vai ser engatando a marcha à ré, nem andando na pista contrária. Negacionismo da ciência, antivacina, birra para usar máscara, não é seguir em frente, é pisar no acelerador andando na contra mão. Então, bora lá, com máscara no rosto, vacina no braço, acertando o passo, que uma hora dessas tudo isso passa e a gente segue. Um ótimo 2022!!


 

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

MAIS BOM SENSO E LUCIDEZ PARA 2022

 

Mais um ano chega ao fim. E foi um ano e tanto. Ao final do ano passado, desejei que 2021 trouxesse a vacina para a COVID-19 e também mais bom senso e lucidez às pessoas. As vacinas chegaram e salvaram muitas vidas. O bom senso e a lucidez, por sua vez, seguem “em passos formiga e sem vontade”.

Essa semana, quase dois anos após a chegada do coronavírus à Terra Brasilis, recebi um vídeo ainda defendendo o uso de vermífugos como tratamento para a COVID e depondo, sempre com mentiras sensacionalistas (é claro), contra a vacina. O Brasil é um país modelo em campanhas de vacinação. Já erradicamos doenças antes fatais, através da vacinação em massa.

De repente, no meio de uma pandemia, as pessoas resolveram questionar insistentemente a eficácia de vacinas que já provaram salvar vidas. Os argumentos são os mais frágeis: – “foram produzidas muito rápido”, dizem alguns. Sim, o mundo parou por causa de uma pandemia. Consequentemente, os cientistas debruçaram todos os seus esforços em encontrar uma vacina que pudesse minimizar os danos de um vírus novo e muito agressivo. Além da união de esforços, hoje temos tecnologia muito mais avançada do que há dez, vinte, trinta anos.

Outros dizem que “não há 100% de eficácia comprovada”. Genteim, não existe 100% de eficácia comprovada em coisa alguma nessa vida.  Além disso, as vacinas não evitam a contaminação. O que evita o contágio é o uso de máscara, a lavagem de mãos, o uso frequente de álcool em gel e evitar aglomeração de pessoas. As vacinas, por sua vez, colocam nosso corpo em melhor condição de combate, para contra atacar o inimigo invisível, caso não consigamos escapar dele.

Ao final de 2021 não é mais aceitável ficar discutindo o indiscutível. Como declarou a infectologista Luana Araújo, discutir o uso de medicamentos sem comprovação científica para tratar a COVID é "delirante, esdrúxulo, anacrônico e contraproducente [...] É como se estivéssemos discutindo de que borda da terra plana vamos pular".

Para 2022 almejo menos do que desejei para 2021, uma vez que vacinas já temos. Espero apenas que tenhamos todos mais bom senso e lucidez. Tratamento precoce é máscara no rosto, cobrindo boca e nariz. O resto, é conversa pra boi dormir. Que na contagem regressiva todos os antolhos desapareçam, que a vida siga seu curso e cada pessoa compreenda que é responsável por todas as vidas. Feliz 2022!!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

VIVA O FIM DE ANO, APESAR DA CORRERIA 😉

 

Todo ano é a mesma história, passou setembro as pessoas já começam a dizer que o final do ano está aí. Vivemos como o coelho de Alice, sempre correndo e muito apressados. Sabemos que não somos eternos. Mesmo assim, facilmente deixamos as coisas verdadeiramente importantes para depois. Deixamos para visitar os amigos quando sobrar um tempinho, para escrever uma mensagem quando terminarmos as tarefas intermináveis, para dizer que alguém é importante quando já não há mais tempo. Tocar a vida não é viver.

É fato que trabalhar é importante e necessário, que muitos temos famílias para sustentar e não dá pra perder tempo, nem dinheiro com futilidades. Mas, não estou falando de gastar tempo ou dinheiro com tolices. Falo de outros investimentos, como o tempo partilhado, a gentileza, o desejo de bom dia para um vizinho, o sorriso para a moça do caixa. De parar para brincar com as crianças, jogar conversa fora em torno da mesa, mandar um alô para os amigos. De aquietar para ler um texto, ver um filme, ouvir uma música. Falo de estarmos conectados em tempo real, com o mundo real, porque dessa vida só levaremos nossas memórias.

Fim do ano é 31 de dezembro. Ainda faltam alguns dias para que este ano termine. Mas será só o final de mais um ano, não o apocalipse. Se não conseguirmos finalizar algumas tarefas, haverá um novo ano todinho pela frente. Vale lembrar (tento me convencer disso todos os dias, mas não é fácil) que outros podem finalizar as tarefas inacabadas, mas ninguém pode viver nossa vida por nós.

Antes do fim do ano ainda temos o Natal e uma semana todinha pela frente. Penso que o importante é celebrar a vida, com a saúde que se tem - por vezes potente, outras nem tanto -, no lugar onde se está, cuidando ou sendo cuidado, acompanhado ou sozinho. Celebrar porque se está vivo, porque nessa condição ainda podemos fazê-lo.

Aproveite os últimos dias do ano. Pise no freio. Por mais que aceleremos, o ano vai acabar, o mundo não.  Viva o momento presente, seja você o presente!! Valorize as pequenas coisas, se alegre com o que é capaz de realizar. Não dependa dos outros para ser feliz, mas seja feliz com os outros, pelos outros. Que seu Natal e o fim do ano sejam bons,  em qualquer lugar, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê!!

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

A PÓS-VERDADE TORNOU O DIÁLOGO IMPOSSÍVEL

 

A arte sempre fez parte da minha vida, especialmente a música e literatura. Eu não toco nem caixinha de fósforo, mas meu pai era um exímio guitarrista e ainda arrisca seus solos no violão. A casa dos meus pais sempre foi muito musical, meu pai ouvia rock instrumental e orquestras, minha mãe gostava de Roberto Carlos e Elis Regina.  Eu virei o mix dos dois e vivi a efervescência do rock nacional dos anos 80.

Minha banda favorita, desde a adolescência, sempre foi a Legião Urbana. De todos os discos, Legião Urbana Dois é o meu preferido. Na última faixa do Legião Urbana Dois, Renato Russo canta, com sua voz grave: Quem me dera ao menos uma vez/ Provar que quem tem mais do que precisa ter/ Quase sempre se convence que não tem o bastante/ Fala demais por não ter nada a dizer.

Legião Urbana é tão anos 80 e tão 2021 que nem sei explicar. Nem precisa de explicação, é só cantar, pensar e sentir. Legião Urbana não é incontestável, mas é real demais. E ser real demais em tempos de falsas verdades, é um perigo. Talvez, por esta razão, tenta-se desacreditar a arte, a educação, a ciência, bem como os artistas, os educadores e os cientistas.

Que mundo bacana seria este se nossos jovens aprendessem a ler e compreender o que leram em livros, letras de músicas e obras de arte. Se esse exercício de ler e presumir, ouvir e discutir, observar e refletir, fosse uma constante na vida cotidiana de nossas crianças e jovens, seria suficiente para que soubessem distinguir realidade de ficção, metáfora de pensamento concreto, verdades de falsas verdades. 

Em 2016 o Dicionário Oxford cunhou um termo que resume esses tempos estranhos e paranoicos que andamos a viver no Brasil e no mundo. A pós-verdade (post-truth) denota circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência na opinião pública que o apelo às emoções e às crenças pessoais. 

Em tempos de Fake News já não importa que a notícia veiculada seja falsa, contanto que ela se encaixe no que eu acredito, naquilo que eu sinto que deva ser a verdade. Penso que essa é a síntese da pós-verdade. No mundo da pós-verdade já não são os fatos que organizam as coisas e sim as percepções e os sentimentos, por mais absurdos que eles possam ser.

Em época de pós-verdade, não há como contestar qualquer argumento com fatos ou evidências científicas, uma vez que esta se sustenta em achismos e não em evidências. A pós-verdade tornou o diálogo impossível. O mundo evoluiu até aqui com a ciência porque ela é questionável, porque suas verdades não são absolutas. Mas no mundo da pós-verdade, se eu achar que é, então é. E não há como contradizer isso, pois eu não preciso provar nada, preciso apenas sentir que algo é verdade. Tudo que a pós-verdade não é, é libertadora.